quarta-feira, 5 de março de 2014

A importância da poupança

por Brian Summers

[Publicado na revista The Freeman, em Maio de 1974, este artigo, originalmente "The Role of Savings", está incluso no livro Free Market Economics: A Basic Reader, editado por Bettina Bien Greaves.]


Um dos aspectos menos notados do sistema de iniciativa privada é o papel da poupança em aumentar a riqueza de toda a gente. O fato de que a poupança de alguns possa aumentar a riqueza de todos pode parecer paradoxal à primeira vista, então consideremos, por um momento, o que acontece quando um indivíduo — chamemos-no de João — abstém-se de um pequeno consumo para colocar uma soma no banco.

Algumas pessoas podem dizer: "O dinheiro guardado por João é dinheiro que não será gasto. A diminuição no consumo de João pode somente significar uma diminuição de iguais proporções na produção e um resultante aumento no desemprego. Poupar deve realmente ser desencorajado."

Poupar é uma forma de gastar! O dinheiro de João não meramente senta no banco e fica por lá mesmo; o banco deve emprestá-lo a alguém no intuito de ganhar mais dinheiro e pagar os juros de João. Esse empréstimo não é um mero gasto; é, na verdade, a única forma de gastar que aumenta a riqueza: é um investimento.

O que acontece quando o dinheiro é investido? Digamos que uma empresa vá ao banco de João e pegue dinheiro emprestado para construir uma fábrica. A empresa então gasta o dinheiro de João na compra de materiais, máquinas, ferramentas, e na contratação de trabalhadores. O dinheiro poupado por João acaba sendo gasto tanto quanto se ele mesmo o tivesse feito. Não há, portanto, diminuição na produção ou aumento do desemprego. Na verdade, como podemos ver, há um aumento na produção e uma declínio na taxa de desemprego!

Logo a fábrica está completa. A empresa então começa a contratar trabalhadores. A poupança de João aumentou a taxa de emprego!

Como a corporação emprega trabalhadores? Oferecendo melhores condições de trabalho do que seus competidores. Talvez a condição mais importante — na medida das necessidades ou desejos dos trabalhadores — seja o nível dos salários. Muito provavelmente, os trabalhadores da nova fábrica tenham sido atraídos por salários mais altos. A poupança de João, perceba ele ou não, melhorou a renda de trabalhadores em uma fábrica que ele provavelmente nunca viu.

"Você disse que a poupança aumenta a renda de toda a gente. Mas e os 200 milhões de brasileiros que não trabalham na fábrica beneficiada pela poupança de João?"

Considere primeiramente os trabalhadores nas fábricas competidoras. Se essas fábricas não querem perder seus empregados para outras, é melhor que elas aumentem seus salários. A poupança de João aumentou os salários de uma indústria inteira.

Quanto aos trabalhadores de outros ramos, nós devemos lembrar que a maioria deles é de trabalhadores fabris em potencial. Se você quiser evitar que o seu melhor trabalhador agrícola vá embora para a fábrica ou pegue um emprego deixado por alguém que foi trabalhar na fábrica de João, é melhor que você lhe dê um aumento. A competição entre empregadores significa que a poupança de João, assim como a poupança de milhões de outras pessoas, aumenta os salários de todos os trabalhadores. (N. do T.: Note que, se o fazendeiro não puder competir com os níveis salariais da indústria, então inevitavelmente seus trabalhadores evadirão. Essa lógica explica, em grande parte, o fenômeno da Revolução Industrial no século XIX.)

"Isso ainda não é todo mundo! E as pessoas que não trabalham?"

Cada homem, mulher, criança — trabalhando ou não — é um consumidor. O fim da atividade econômica — poupar, construir fábricas, trabalhar, e todo o resto — é o consumo. Devemos sempre manter esse fim em mente. Os salários mais altos dos quais falamos se provariam desprovidos de sentido se eles não resultassem em consumo aumentado.

A poupança de João beneficia a todos porque a fábrica, as máquinas, e as ferramentas que elas ajudaram a construir foram projetadas para produzir bens que os consumidores preferirão a aqueles já disponíveis no mercado. A corporação que emprestou dinheiro do banco do João assumiu um risco financeiro por imaginar poder satisfazer os consumidores melhor do que seus competidores. Em outras palavras, eles acreditaram poder dar ao consumidor mais pelo seu dinheiro. Se eles falhassem, então o prejuízo seria deles. Se eles fossem bem sucedidos, então os consumidores consumiriam mais do que eles gostam e desfrutariam, portanto, de um padrão de vida mais alto.  O consumidor — cada um de nós — é o juiz final e ganhador definitivo.

"Poupar, depois de tudo isso, parece uma boa. O que deve ser feito para encorajar mais poupança?"

Antes de fazer coisas que encorajam a poupança, devemos "desfazer" coisas que a desencorajam. Em particular, a legislação é ela mesma provavelmente o maior impedimento a potenciais poupadores. Avaliemos brevemente algumas formas como a lei desencoraja a poupança.

Para começar, as pessoas não podem economizar o que elas não têm. Cada centavo pago em impostos é um centavo que não será poupado. Some todos os impostos que João paga, e ele pode se encontrar sacando, mais do que depositando, dinheiro na sua conta bancária.

Além do nível geral de tributação, muitos impostos específicos são especialmente desencorajadores aos poupadores. Os impostos sobre os lucros das empresas, os impostos sobre os ganhos de capital, e os impostos sobre os dividendos e juros na conta bancária golpeiam o poupador de forma particularmente dura, e devem ser levados em conta por cada poupador em potencial.

Mais altos ainda que os impostos, são os gastos do governo. A diferença, naturalmente, é "composta" pela dilapidação da moeda fiduciária feita com as impressoras do governo — a inflação. E a inflação, combinada com outras modalidades de governo agigantado, é o suficiente para dar, até mesmo ao mais devotado poupador, motivo para repensar seus hábitos sóbrios.

O poupador vê a inflação galopando mais rapidamente que os limites legais colocados às taxas de juro. Mesmo que ele já tenha de fato perdido dinheiro em termos de poder aquisitivo, ele se vê obrigado a pagar impostos sobre os seus "rendimentos".

O poupador vê a inflação aumentar o valor do papel da sua participação no capital. Quando ele vende suas participações, ele deve pagar pelos ganhos de capital — mesmo que os seus "ganhos de capital", em termos de real riqueza, tenham sido na verdade perdas de capital.

O poupador vê a inflação aumentar os números dos lucros da sua empresa. Em particular, o aumento dos "lucros" do inventário — a diferença entre os custos de produzir um item e os custos de o substituir no inventário depois que ele foi vendido — é um resultado direto da inflação. Estivessem todos esses "lucros" disponíveis para investimento num novo inventário, a empresa poderia ao menos manter uma diferença proporcional. Contudo, em média, quase metade desses "lucros" acaba trazendo impostos sobre os lucros da empresa. Assim, o poupador pode ver a sua corporação perdendo dinheiro e pagando impostos sobre os lucros da empresa ao mesmo tempo.

A inflação em si mesma, ainda que não combinada a controles e impostos governamentais, é desencorajadora a poupadores em potencial. Com os preços crescendo, as pessoas são encorajadas a fazer compras antes que tudo fique mais caro, mais do que poupar para compras futuras.

O breve exame das formas como a lei desencoraja a poupança não está, de forma alguma, completo. Contudo, eu gostaria de concluir com um fator que, apesar de nunca poder ser mensurável, é muito real. Esse fator é o da incerteza. Nos anos recentes, o governo dos Estados Unidos se tornou tão intervencionista que, a cada poucos meses, o presidente anuncia "novas e fortes" medidas econômicas. Quem sabe quais serão as próximas medidas? Já ouvimos deputados clamando por uma estatização das empresas petrolíferas. Quem será louco o suficiente para investir sob tais circunstâncias? Para completar a destruição da economia americana, o governo não precisa expropriar os meios de produção. Basta tornar as condições onerosas e assustadoras o suficiente para que ninguém ouse investir nas empresas privadas. (N. do. T.: Notavelmente, o mesmo se aplica ao governo brasileiro — muito embora o nosso histórico intervencionista não seja exatamente "recente", como no caso dos Estados Unidos da década de 1970. Também, como o leitor pode notar, o setor petrolífero brasileiro já é estatizado, o que exemplifica o ainda maior grau de intervencionismo do estado brasileiro.)

Um livre mercado, e a confiança de que o mercado continuará a ser livre, é todo o encorajamento de que os poupadores precisam.


Leia também

A função econômica da poupança e dos bens de capital

Os efeitos da poupança voluntária sobre a estrutura de produção da economia

Trabalho, emprego, poupança e capital

Poupança, entesouramento e os erros keynesianos

Imposto de renda na poupança e concorrência desleal

O legado cultural e espiritual da inflação monetária


Traduzido por Ramiro Freire. O original em inglês pode ser lido na página 73 desse e-book.

Nenhum comentário:

Postar um comentário